– Eu não sou muito segura com meu corpo..
– Nem eu. Com o meu corpo, no caso. – no auditório da sua cabeça acendeu a ‘luz do riso nervoso’.
– Acho que quase ninguém é, mas quero dizer que isso me impede de aproveitar uns momentos. Tipo agora. Não que não esteja aproveitando, mas…
– Sim…
– Uns 62 por centro de aproveitamento. – acende a ‘luz do riso nervoso’ no auditório dela, junto com o ‘cartaz do quebre contato visual’, que ela faz pegando um cigarro.
Ele ficou olhando aquele ritual do fumante tomar forma. Na tv passava algo com luzes que deixavam o ambiente como um por do sol sangrento.
– Você é perfeita pra mim. – ele disse de uma vez só, meio vomitado, e várias luzes acenderam ao mesmo tempo e jurou ouvir uma sirenezinha ao fundo.
Ela riu na hora, olhou pra ele tentando pescar combustível pra ver se o fogo da risada crescia mas teve que manter um sorriso morno.
– Não precisa falar essas coisas.
– Foi meio merda, mas não me arrependo. Pequenos momentos de bravura romântica, sabe? – esse foi o combustível, e os dois riram, ela acendendo o cigarro. – Não tem outra pessoa no mundo que me faria sair dessa cama agora. O que torna você única, e tecnicamente perfeita. Pra mim.
O responsável pela luz de nervoso pôs o dedo no botão mas não sabia se apertava.
Ela tirou o cigarro da boca e ficou olhando o reflexo da tv no olho dele. Ou seria resquícios de vidas passadas? Pedaços da alma. Tinha algo de familiar ali, algo que ela via toda manhã no espelho. Um pedaço dela dançando no olhar de outra pessoa.
Num movimento só puxou ele pra perto, como se pudesse juntar aqueles pedaços, como se precisasse colar um vaso quebrado há tempo demais.
– Pequenos momentos de bravura romântica, isso? – ela disse apertando ele forte. Os dois riram.
– É, algo assim. Você pensa que podemos ser a última chance de romantismo um do outro? Melhor aproveitar.
– Os últimos românticos? O pior é que penso sim. – ela não pensava até uns trinta segundos atrás, mas agora fazia tanto sentido que seu coração chegou a doer. – você sabe que saiu perdendo nessa né? Se eu for sua última chance mesmo. Sou a pior romântica do mundo.
– Eu sei. Mas é o que eu preciso.
Ele quase continuou falando. Um cartaz grande pedindo intervalo comercial apareceu no fundo da cabeça e decidiu guardar pra outra hora. A tv mudava do alaranjado pro roxo. Em outro cômodo uma gata se preparava pra pedir comida.