Nightcall

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Peguei essa mania imbecil de escrever em lugares com a música alta demais, luzes coloridas e gente que decidiu dançar até os problemas esvaírem pelos poros. A maioria não deixa você entrar com uma máquina de escrever, mas é só insistir o suficiente e inventar qualquer bobagem sobre ser um estudo comportamental ou pesquisa pra um documentário de arte moderna que ninguém liga se eu tirar a camisa e revelar um terceiro braço.

Nos anos 60 fizeram um experimento secreto e nada ético onde doaram gêmeos para famílias diferentes pra ver o que diabo aconteceria. Nossa personalidade é definida pela genética ou pela criação? No fim não teve resultado nenhum (no sentido de que ninguém publicou, não que foi inconclusivo, mas isso fica pra outro dia), só várias pessoas com mais transtornos que o normal. O que levanta várias questões que nem existiam no começo da pesquisa. Como se separar os gêmeos afetou sua personalidade, ou se por terem descoberto que eram gêmeos depois de adultos acabaram com algum parafuso psicossomático frouxo.

Você ficaria surpreso com o quanto respeitam minha máquina de escrever no meio da bagunça. Claro que batem na mesa o tempo todo, por acidente, mas sempre dão aquela olhadela de ‘opa foi mal cara de óculos no canto da festa que por alguma razão está focado em sua escrita, estou com minhas habilidades motoras prejudicadas devido a certas substâncias, sabe como é’. A última página que terminei tinha só 5 erros, e dois deles foram burrice momentânea minha mesmo.

Se tudo que somos fosse predeterminado pela genética seria confortante ou assustador? Consigo entender o alívio de quem não se culparia mais por nada. Ou a aflição de quem sabe que não vai conseguir fugir disso. E se fosse o oposto, se o que definiu que você seria esse emaranhado de solidão, filmes sobre abandono familiar e asfixia auto-erótica foi puramente porque seus pais insistiam em chamar aquela babá que te trancava no guarda-roupa?

Várias vezes bebo o que alguém que simpatizou com minha cara de bloqueio artístico deixa na mesa. Só por tentar focar numa página branca com intervalos estroboscópicos de lucidez e alucinação sinto as ideias vindo. Um bando de textos inúteis, veja bem, nada vai fazer eu escrever a melhor coisa do mundo, longe disso. A maior parte do tempo só saio cansado com repetições deploráveis de ideias que tive 6 anos atrás.

Já abriu a porta da geladeira e se pegou pensando que se traçarmos matematicamente o caminho que cada átomo percorreu depois do big bang conseguimos prever que caminho vão tomar e logo jogamos o livre arbítrio no ralo do banheiro, junto com todo aquele cabelo? Se nossas sinapses forem reduzidas ao nível atômico, existe ou não o caos que nos faz sentir únicos? Meus átomos resolveram virar a esquerda depois daquela padaria e por isso escolhi fazer um curso de tricô ou alguém mandou eles irem pra lá?

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